Muito se comenta sobre o fato da Santa Sé (o Vaticano) opor-se a união entre pessoas do mesmo sexo. O que falta é que alguém defina qual o real papel da Igreja. Vamos tentar fazê-lo agora. E que eu esteja livre da Excomunhão por tentar...
Começando de baixo, vamos atentar ao papel dos Padres, que têm por dever de ofício preocupar-se com o que podemos chamar de “eterno”. Para a igreja, não se concebe imaginar a moral como algo passível de ser condicionada. Se Deus, por meio das Escrituras, disse que a homossexualidade é um pecado, quem somos nós, simples mortais, para desmentir o Altíssimo. A Sua palavra, em princípio, não pode ser objeto de negociação.
Não nos restam dúvidas de que os textos canônicos não são nem um pouco simpáticos a homossexualidade. Apesar de algumas passagens do Antigo Testamento serem lidas como relativamente tolerantes (atenção especial aos trechos que falam do amor entre Jônatas e Davi, que muitos entendem como carnal, descritos em 1 Samuel, 18 e em 2 Samuel, 1), em geral a marca é a do opróbrio. Mas é no catecismo que o Vaticano dá nome as coisas.
No catecismo, a Santa Sé qualifica as relações homossexuais ("homosexualitas relationes" – adoro ler essas coisas em latim) como depravações graves ("graves depravationes") e totalmente contrárias à lei natural ("legi naturali contrarii"). Ele afirma ainda que as tendências homossexuais são uma propensão objetivamente desordenada ("propensio objective inordinata"). Por fim, relaciona os pecados graves contra a castidade, e menciona, pela ordem: "masturbatio, fornicatio, pronographia et homosexuales usus".
Mas não pensem que essa é uma exclusividade do catolicismo. Embora o conservadorismo de Roma em relação aos costumes sexuais seja "de jure" paradigmático, a tendência geral das religiões monoteístas pelo menos é a de condenar as variações menos comuns do ato sexual.
A questão é que, na visão do Vaticano, o que está em jogo é muito mais do que direitos dos homossexuais. Como a moral é incondicionada, transigir num detalhe seria renunciar ao dogma. O que rui não é uma simples tradição, mas o próprio edifício lógico sobre o qual a igreja se assenta. Se o que Deus disse aos homens não precisa valer, é a própria igreja que não precisa existir. Seria injusto julgar os padres sem compreender o alcance e a importância dos dogmas para uma igreja que pretende permanecer "in saecula saeculorum", isto é, "pelos séculos dos séculos", o que equivale mais ou menos a "para sempre".
Evidente que nem tudo é apresentado assim de forma tão óbvia. Compreender as razões do Vaticano não implica acatá-las. Ainda tenho esperanças de que a Igreja Católica pode evoluir e mudar suas posições, como já fez algumas vezes ao longo da história. Não podemos esquecer que tudo é uma questão de interpretação. Mudanças desse calibre, quando ocorrem, dão-se no tempo da igreja, que não é de dias ou de anos, mas de séculos.
Os padres estão certos em zelar pelo que julgam ser a verdade, assim como os homossexuais ao lutar pelos seus direitos, torna-se lícito então perguntar onde está a verdade. Não acredito muito em verdades, mas isso não me impede de sabiamente proclamar o que para mim é uma verdade.
Estou plenamente convencido de muito poucas coisas, mas uma delas é a certeza de que a única forma de promover a convivência harmônica entre as pessoas é renunciando à pretensão de impor ao próximo as minhas verdades, os meus deuses e os meus demônios. Se há um erro essencial no catolicismo (e em outras religiões), é o de pretender-se universal. Isso ele não é. Nem de fato nem de direito.
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